Como era feriado para mim e “dia santo” para os católicos,
resolvi dar um passeio mais ou menos largo.
A verdade é que nunca me tinha dado ao trabalho de apreciar
o que os católicos fazem neste “dia santo”.
Acho que aqueles que tecem críticas aos feriados e “dias santos” e são
favoráveis ao seu fim desconhecem, como eu desconhecia, tudo o que se faz neste
país.
Temos uma cultura rica, uma religião forte, um povo
comprometido com essa cultura. Pelas muitas coisas lindas que vi, pela forma
realmente valorosa e enobrecedora como se vivem estes “dias santos” e pelo
respeito que merecem todas estas pessoas, seu trabalho e suas práticas, passo a ser terminantemente adepto da
manutenção dos “dias santos” ou feriados religiosos.
Qual é o feriado civil em que o povo se une e participa na
sua celebração, aos milhares, de todas as idades e com tanta dedicação? Qual?
Embora ache que é desnecessário e disparatado acabar com
feriados por ordem da pandilha de ladrões internacionais, se algum feriado pode
acabar não podem ser aqueles que o povo, efectivamente, celebra.
Considero que o país está a ser violado na sua soberania, na
sua dignidade e na sua liberdade. E, pior do que tudo, com um povo imbecilmente
resignado, apático, rendido e calado a aceitar tudo sem o mais leve desacordo.
Assim, talvez a celebração de alguns feriados civis já não tenha significado,
mas os feriados religiosos continuam a ter significado e a ser comemoradas por
uma grande parte dos portugueses.
Hoje, mais do que nunca, este país merece, sem dúvida, estas
palavras:
Um povo imbecilizado e
resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta
de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma
rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as
orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se
lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai…
Uma burguesia, cívica
e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem
palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida
íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de
toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira a falsificação, da violência ao
roubo, donde provem que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença
geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro. Um poder
legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do
moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País.(…)
Dois partidos sem
ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo
utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos,
iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e
fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem
todos duma vez na mesma sala de jantar.
Guerra Junqueiro, in
'Pátria (1896)'
Cento e dezasseis anos depois, um retrato fiel do país e dos
políticos que temos.